Teste para Jogos Digitais: Jogando como Playtester
É muito comum que iniciantes na área de games desejem ser testadores de jogos (ou playtesters), assim passariam o tempo todo testando games e fazendo o que mais gostam
Mas será mesmo que essa motivação é verdadeira e/ou suficiente para esse cargo? Ser playtester é esse paraíso?
Ser playtester é uma profissão e jogar nesse papel exige organização, um roteiro de testes bem feito e certa criticidade para promover melhorias ao jogo testado.
Então a proposta desse artigo é abordar um pouco essa área, cuja importância contribui e muito com a qualidade do jogo que será entregue aos jogadores finais.
Vamos jogar como playtester?
Todo software passa por um teste, ou seja, avaliar se a implementação está em conformidade com o que foi planejado. No caso de jogos, isso não fica exclusivo apenas das funcionalidades, mas também se a experiência desejada pelo game designer está se concretizando. Nessa experiência podemos falar de diversão, de uma maneira mais ampla, mas não somente isso.
Se você analisa os processos do passado, verá que o teste era a última etapa do processo. Hoje se vê que são necessários vários testes intermediários para evitar retrabalho. Sim, a equipe de produção agradece e os prazos também.
Quem os faz são os testers, na área de jogos são chamados playtesters. Eles vão jogar o game por vários períodos de tempo, buscando bugs, problemas de usabilidade, pontos em que a experiência pode ser melhorada e outros problemas. Eles possuem um conhecimento melhor da área e podem contribuir com a equipe de desenvolvimento no processo de produção.
Claro que o erro encontrado é registrado e segue um roteiro que eles devem percorrer no jogo. Por isso que cai por terra o poder de jogar o tempo todo e a diversão encontrada nisso. Jogar como playtester é um trabalho pesado, cansativo e muito minucioso. Você vai passar alguns períodos jogando a mesma fase, daquele mesmo jeito, vendo os caminhos que foram percorridos para encontrar o padrão daquele erro e poder notificar a alguém da equipe para resolvê-los. Entende a trabalheira? Testes para jogos exigem demais e não pode ser confundido com diversão pura, como um jogador interagindo em casa com seu jogo. Claro, considerando que isso venha de um profissional dedicado a equipe de qualidade do jogo.
Ainda, o teste pode ser feito com usuários-alvo do jogo. Eles devem ser orientados, acompanhados em busca de mais aplicações desses testes para ver a satisfação com o produto em si. Porém já vi casos em que encontraram outros erros que ninguém percebeu, inclusive nos meus próprios jogos em eventos. Acontece, meu caro. São ótimos de se terem no processo, pois eles não conhecem os bastidores da produção do jogo. Eles irão por caminhos que fogem da lógica da implementação, pois é aí que se encontram erros que ninguém previu.
Quais as formas de se fazer testes para jogos digitais?
Já citamos a forma de se fazer teste por meio de profissionais playtesters, além de usuários finais do seu produto jogo. Também existem alguns softwares que podem automatizar os testes em algumas partes. O testador vai parametrizar o teste e variáveis da forma que se deseja, depois colher os resultados e interpretar para ver o que foi encontrado. Ou seja: ainda dependemos do fator humano no controle, não é tão automático assim, como alguns acham.
A prototipagem nessa parte ajuda e muito. Com algo mais concreto, pode-se avaliar melhor aquela etapa. Inclusive para validar o projeto (game design), muitos utilizam a prototipagem rápida, cujo enfoque é avaliar um aspecto bem específico do jogo. Por exemplo, quero ver se a mecânica que criei no projeto está adequada, bem estruturada e divertida. Logo, foco o meu protótipo nesse sentido e faço um roteiro de testes para avaliar esse aspecto. Se atendeu, perfeito. Vou seguir nessa linha produzindo. Senão, revejo o planejamento para evitar retrabalho na produção final mesmo do game.
Como instrumentos para testes com usuários, podem-se usar entrevistas, questionários, observação dos usuários – no caso de testes com jogadores finais – filmagens da tela e do jogador, mas isso tudo com consentimento dele. Ética aqui é fundamental. Também tome cuidado com os instrumentos e observações, pois podem não condizer com a realidade. Muitas vezes o estado de espírito da pessoa pode estar ruim. Isso reflete, por exemplo, em um teste malhando o pau no jogo, porém não que o game esteja mau. Ou o contrário: elogia, pois está sendo inibido pelo avaliador com perguntas induzindo as respostas que ele quer. Desse jeito fica complicado. É importante essa percepção de quem testa com usuários finais, além de usar esses instrumentos da melhor forma.
Para gerenciamento, alguns softwares também são usados para se fazer a gestão de erros como o Mantis, por exemplo. Ele registra o erro, notifica quem da equipe resolverá, pode marcar o estado do erro (se foi resolvido, está sendo resolvido, etc). Tudo isso de forma organizada e com relatórios, descrevendo quais erros ocorreram, tempo, quantos ocorreram e de qual tipo, etc. Também se pode classificar o tipo de erro (grave, leve), sua frequência (sempre ocorre, às vezes) e outros atributos. Isso gera uma noção melhor à equipe do que estamos acertando ou errando mais, além de saber como priorizar qual erro a ser resolvido e de quem é a responsabilidade por ele.
Qual o processo e necessidades de realização de um teste?
No livro “Manual de Produção de Jogos”, eles indicam que deve ser feito um cronograma de testes. Ele definirá em que partes do processo surgirá. Assim, o livro recomenda os seguintes itens:
- Playtest: reservar tempo para a equipe de qualidade fazer os testes;
- Demo: o marketing precisará de demonstração para fazer aquela propaganda do jogo. Uma vez previsto no cronograma, todos se engajam para cumprir o prazo e dar essa garantia ao marketing;
- Builds para o marketing: se houver builds, reserve tempo para que sejam testadas antes de ir ao marketing. Principalmente os erros críticos são prevenidos;
- Código candidato à liberação: são os códigos aptos ao teste final, passando pelo plano de testes da equipe de qualidade. Tudo certo? Está liberado. Senão, volta para ser resolvido.
Outro ponto fundamental é o plano de testes, ou seja, um roteiro ou checklist do que deve ser verificado no jogo. Tudo que deve ser testado deve estar ali para melhor avaliação do jogo. Geralmente é uma lista em planilha eletrônica em que são dados cheques com “Aprovado” ou “Reprovado”. Nesse último caso, são gerados relatórios descrevendo o erro, como ele ocorre, dependendo vídeos ou screenshots dele ocorrendo.
Às vezes há alguns que não são possíveis de serem testados, pois dependem de algumas condições específicas. Por exemplo: se o testador está sozinho e o teste depende de dois jogadores sem IA para a realização dessa parte do teste, então não será possível de testar e deve ser notificado que não foi possível fazê-lo.
Para o registro de um bug, o livro faz uma sugestão dos itens a serem considerados:
- Versão: qual a versão testada do jogo. Se for em uma plataforma específica que ocorreu o erro, especifique em qual (Exemplo: iOS, Android, Windows etc);
- Categoria: qual o tipo de erro? De programação, design gráfico, projeto etc.
- Componente: qual a subcategoria? IA, HUD, controles etc.
- Resumo: uma breve explicação do que é esse erro em uma frase;
- Descrição do bug: explicação detalhada sobre o erro em questão;
- Gravidade: é fatal, crítico, menor ou solicitação de recursos;
- Prioridade: ajuda a definir qual vou resolver primeiro;
- Passos a reproduzir: indica como eu consigo reproduzir aquele bug;
- Capturas de tela: são formas de complementar a explicação do erro, mostrar onde e como ele ocorre;
- Arquivos de log de interrupção: o programador pode criar uma rotina de log quando ocorre um travamento. Assim, ele sabe melhor o ponto certo que ele ocorreu.
Outra possibilidade possível é a de testes externos. Assim, você terceiriza com uma empresa ou outro externo essa etapa. Só é importante alinhá-los ao cronograma e ao contexto do jogo para não se gastar dinheiro à toa.
Testes para jogos digitais é uma etapa fundamental para que se garanta a qualidade no jogo. Porém se deve entender que a avaliação tem que se centrar também nos aspectos de diversão. Afinal, um software convencional pode até ter problemas de usabilidade e eu continuar usando-o devido à necessidade. Agora um jogo com bugs, eu vou procurar outro sem, pois quero me divertir e não ficar mais estressado.
Referências
Chandler, Heather Maxwell. Manual de produção de jogos digitais: Parte VII: Testes. Porto Alegre: Bookman, 2012.
Fonte Principal do Artigo: http://www.fabricadejogos.net/posts/teste-para-jogos-digitais-jogando-como-playtester/
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Formado em Análise e Desenvolvimento de Sistemas (Udesc), Pós-Graduado em Docência para Educação Profissional (Senac), MBA em Game Design (Universidade Positivo) e Mestrando em Tecnologias da Informação e Comunicação (UFSC). Foi redator do portal Nintendo Blast, professor do Senac/Senai e Game Designer/Sócio-Fundador do estúdio Céu Games por 6 anos. Atualmente, é professor do Curso de Tecnologia em Jogos Digitais (UNESC), escritor e Editor-Chefe do Fábrica de Jogos (www.fabricadejogos.net).
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